segunda-feira, abril 26, 2010

O avesso do avesso

Hoje sonhei que virava um rio.
Foi um sonho acordado, daqueles mais claros que toda lucidez possível.
De quando sonhamos o que somos quando vazamos tudo o que fomos um dia.


Hoje sonhei que era um rio.
E minha água não eram clara nem turva, nem fria ou quente.
Mas, macia... e doce. Como um corpo sem lágrimas.


Hoje sonhei que era rio.
Um rio sem margem. Seguindo o infinito sem ser nunca tocada.


Hoje, sonhei acordada. Sonhei ser um rio, sonhei que era nada.

terça-feira, abril 13, 2010

A raiz quadrada de 37

Eles pareciam saídos de um filme inglês do final dos anos 90, mas era apenas uma noite qualquer no Pão de Açúcar da rua jardim botânico. Se esbarraram no corredor de bebidas. Ela procurava café, ele qualquer coisa mais forte. Ela, a cada passo, colocava algo que não precisava na cestinha de plástico azul, sem lembrar que teria que carregar toda aquela tralha ladeira acima, ele não conseguia escolher.


Ele sabia que ela tinha um gato, pela areia, e era um pouco antiquada, pelas botas de cowboy. Ela viu que ele era fã dos Ramones, estava escrito na camiseta.


Ela amava o outono, Ele queria desaparecer.


Eles nunca tinham se visto antes e nem se veriam depois, ou, em caso contrário, não se lembrariam. Mas, naquele momento estavam ali, as únicas duas pessoas fazendo compras em um supermercado situado a 22º 54' e 23'' de latitude sul e 43º 10' e 21'' de longitude oeste , às 22:49 de uma segunda-feira de Abril, e isso já era o suficiente.


Ela estava se apaixonando por alguém que acabara de chegar, ele estava se dilacerando por alguém que acabara de partir. Ela ouvia "Closing time" e andava como em um videoclipe adolescente, ele não sabia o que fazer com as mãos.



Se encontraram na saída dos caixas, ela levando muitas sacolas com produtos desconexos, ele uma garrafa de Coca e um pacote de Trakinas sabor morango.



Ele queria saber qual era a música que ela colocava para tocar de novo e de novo, ela não parava de trocar as sacolas de braço. Ele se arrependeu por não ter trocado de roupa, ela balançava a cabeça ao som dos fones de ouvido. Ele tentava se aproximar a cada passo para oferecer ajuda com as sacolas, ela cantava a música baixinho. Ele começou a gostar do jeito que ela pisava os calcanhares com mais força do que o resto dos pés e quis andar atrás dela para sempre, ela sentiu o cheiro de dama da noite e apertou os olhos.



Ele daria o mundo para não precisar voltar para casa, Ela estava cansada.



Ele olhou para ela, ela olhou para ele. Ele abaixou a cabeça, ela sorriu.