terça-feira, agosto 30, 2011

No ano dois mil.

Quando eu era criança adorava pensar em como seria quando chegasse o ano dois mil. Eu teria dezesseis anos! Seria grande e potente, estaria entrando na faculdade de onde sairia jornalista, como os meus pais, e casada, também como eles. Teria meu primeiro filho aos vinte e quatro, e o segundo aos vinte e oito, depois disso não sabia nem o que imaginar. Seria adulta. Totalmente adulta, significando isso , saber o que eu queria, quem eu era, ter um trabalho, dinheiro, família, casamento, uma carro grande para caber tudo isso, férias no final do ano. Seria alguém. Alguém grande e certa das coisas, alguém que não precisaria pedir permissão, que vestiria, comeria e andaria por onde bem entendesse. E não seria mais a segunda menina mais baixinha da turma nem usaria mais aqueles óculos cor de rosa.

Hoje, aos vinte e sete anos, sei que cresci, não sou grande, no que diz respeito a centímetros, tenho um metro e sessenta e um... e meio. Uma média bastante razoável, mas que faz de mim menor do que a maioria dos outros adultos e de algumas crianças super nutridas e adolescentes corpulentas, e com uma frequência maior do que gostaria, acabo sendo a segunda menor menina do grupo. Talvez se eu tivesse crescido mais um pouco me sentiria maior. Talvez não.

O ano dois mil chegou, eu completei os dezesseis anos, entrei na faculdade no ano seguinte, jornalismo, como a minha criança planejou. Não sei exatamente onde foi que tudo mudou, o que aconteceu quando o caminho ziguezagueou, não me lembro de ter pensado sobre isso, nem de ter feito qualquer tipo de escolha. Sei que aquele trem descarrilhou.

Lembro de um dia estar assistindo a uma peça, era uma mistura de teatro, circo e dança, era mágico e quis ficar ali para sempre. Acho que foi ali que alguma coisa rachou.

E como que num sopro virei atriz. Quem poderia imaginar, eu, tão séria, tão sólida, tentando ficar rarefeita, permeável, escolhendo como função um outro tipo de investigação, a busca do sentido do próprio sentido, como se isso fizesse algum sentido! A auto-fragmentação voluntária , o olhar de criança sendo levado como premissa para a vida adulta. Por quê? Não saberia responder. Sei que aconteceu o que eu não poderia prever.

Meu grande medo de quase adulta, talvez ali também pelo mesmo ano dois mil, era de um dia me acostumar, esquecer que era movida por algo que vinha de dentro e não de fora, me perder. Não queria me acomodar. Talvez tenha sido ai que a escolha tenha sido feita.

Hoje, aos vinte e sete anos, sei menos de mim do que aos sete, mas sinto que sei um pouco da vida. Pelo menos da ideia que se faz dela. Vivo o desconforto de não saber se fiz as escolhas certas. Por ter escolhido o caminho incerto e não ter vontade alguma de sair dele.

Não me casei, quer dizer, não daquele jeito com igreja e vestido branco, moro junto, pela segunda vez, a gente às vezes se chama de marido e mulher, mas sempre parece falso, uma brincadeira de crianças que brincam de casinha, tenho um carro pequeno, mas meu e dois gatos. Não sei quais são os meus sonhos, sei bem dos pesadelos. Tenho muita esperança e nenhuma calma. Sinto o tilintar dos ponteiros, eles me assustam, tenho medo de não me achar, e de se achar, não gostar do que posso encontrar. Tenho medo de mim mais do que dos outros. Tenho tanto pra procurar que dá medo de me afogar.