sexta-feira, abril 27, 2012

Get me away from here I'm Dying.

Ela abriu os olhos. Era noite e um frio incompreensível a fez despertar de um sono não muito confortável.
Era segunda ou terça-feira de um janeiro insuportavelmente quente e úmido. Percebeu o som do aparelho de ar condicionado, foi recobrando os sentidos e se viu semi-nua, jogada em uma cama ainda fechada. A fraca memória dos últimos momentos de lucidez começavam a trazer algum sentido à aquela cena corriqueira que por alguns instantes pareceu tão absurda.
Lembrou da súbita vontade de entrega que a fez desabar sobre o edredon sem que nem mesmo se desse ao trabalho de completar o ritual da pasta de dente e pijamas. Qualquer tpo de movimentação parecia demasiadamente agressiva mas, precisava tomar uma atitude, sentia frio, muito frio.

Sentou-se com os olhos ainda semi-cerrados, olhou para o pequeno abajour florido em cima do criado mudo. Não acenderia a luz de forma alguma, era mais do que poderia suportar naquele momento.
Continuou a lenta análise sobre o quarto bagunçado, iluminado apenas por uma luz distante vinda da cobertura do prédio da frente e das poucos estrelas naquele céu de cidade grande - Essa noite nascera sem lua. Como são tristes as noites que nascem sem lua. - Olhou na direção da janela e um pouco mais embaixo, sobre o cesto de roupas limpas estava ela, a camisa que tinha emprestado a ele algumas noites antes para que carinhosamente substituisse a sua, encharcada pelo temporal que assolara a cidade naquela outra noite, de sexta ou sábado. Aquele dia ela quis protegê-lo. Foi o dia em que soube que era o fim. Depois daquilo não se veriam de novo, não mais, pelo menos daquela forma.

Pensou em vestir a camisa, não por qualquer pedaço de saudades ou sentimento romântico, pelo contrário, apenas por ser o objeto que acabaria com todo aquele frio com menos esforço. Pegou o pedaço de pano nas mãos e sentiu uma paralização repulsiva. Não queria se proteger com a camisa que agora pertencia a ele. Ela não o queria e menos ainda nada próximo a idéia de algo que fosse deles.
Ficou parada tentando entender como o cheiro ainda impresso no tecido, aquele mesmo cheiro que até tão pouco tempo despertava uma espécie de sensação de aconchego, um carinho diferente, sem fronteiras nem cobranças poderia ter se transformado em algo simplesmente enjoativo. O cheiro era o mesmo. Mas, já não podia reconhecê-lo.
Lembrou de quando mais cedo, ainda durante o dia daquela segunda ou terça de janeiro, um homem atravessou o seu caminho vestindo o mesmo perfume e da maneira curiosa como ela, em um impulso, virou a cabeça e fechou as narinas enojada pela possibilidade de ser invadida por qualquer tipo de lembrança e seguiu.

Agora estava acordada, bem acordada. Foi até a janela da sala fumar um cigarro e ouvir a noite. A rua parecia excessivamente parada. Nenhum som, nem carros nem vento. Estava quente ali fora e isso era um alívio. Pensou muito pouco. Queria ficar alí sentindo esvaziar-se. Sabia que surpreendentemente não choraria ou ficaria triste. Era o fim. E ela alí parada e vazia, contradizendo uma de suas músicas favoritas.

E foi escovar os dentes para voltar, dessa vez sob as cobertas, para a melancolia de um sono inimaginavelmente calmo.

Devaneios Sobre a Neblina

Metade da Parte 15.


Existe sempre um momento em que tudo deve encontrar o seu devido lugar. Pensou Manuela enquanto ainda com as mãos trêmulas jogou um enorme trago de fumaça para dentro dos pulmões. Mas antes mesmo que pudesse terminar de exalar aumentando ainda mais a nuvem cinza que se formava no quarto herméticamente fechado, uma questão voltou a sua mente a inquientando ainda mais. E as fissuras? Por mais que tudo se curasse com o tempo não era possível que tanto sacolejar não deixasse arranhões, machucados, aberturas imensas dentro do seu corpo, transformando aos poucos sua carne em um tecido poroso e rarefeito, frágil como um pedaço de argila. Era assim que ela se sentia naquela noite, como um enorme galho seco jogado esquecido nas margens de uma praia qualquer. No momento em que Rafael mais uma vez bateu a porta enfurecido antes de sumir pelo corredor, ela teve certeza de que nunca mais desejaria-o de novo. Mas, depois de três cigarros e algumas poucas respirações, sua ausência parecia roubar-lhe as forças e ela já precisava dele novamente. Não como uma criança precisa da mãe, mas da sua chupeta, do seu brinquedo favorito, do seu amuleto da sorte sem o qual não se sentiria confiante para enfrentar qualquer tipo de provação. Ele tinha virado seu Deus. E por isso ela precisaria matá-lo. Mas, como seria isso. Ela não se sentia forte o sufieciente nem para abrir as janelas, de onde tiraria coragem para arrancá-lo da sua vida? Ela não se reconhecia mais ao lado dele, mas também já não sabia mais ser qualquer coisa sem a sua presença. Pensou em fugir ou em se atirar pela janela. Mas tudo parecia complicado ou definitivo demais. Desejou abrir a caixa cheia de recordações e fotos da sua vida ao lado de Felipe, queria lembrar desesperadamente como era aquele amor tranquilo que ao mesmo tempo que a sufocava também a acolhia, mas tinha abandonado todos aqueles papeis no dia em que foi embora e junto com eles ficaram todos os vestígios de memória. Ela não era mais aquela, mas também não sabia no que havia se tornado. Abandora a sua vida de sonho para encontrar algo que lhe parecesse real, mas irônicamente tudo aquilo parecia um labirinto tão grande e ela estava exausta sem nem ao menos ter começado a procurar a saída. Desejou o colo da mãe se a sua tivesse algum para oferecer, mas ela sabia que isso não passava de mais um desejo infantil que jamais seria realizado. Procurou lágrimas para salgar a boca, mas estava mais seca do que nunca. Sufocada pela fumaça do quarto e por seus pensamentos agarrou uma das máquinas fotográficas descartáveis que havia comprado com Rafael na semana em que se conheceram no intuito de registrarem tudo para evitar que o tempo os levasse com ele, ideia de Rafael é claro, e saiu pela rua do jeito que estava, só com o brinquedo de plástico e um par de chaves no caso de querer retornar...