Mais uma vez olho daquele jeito as pessoas a minha volta.
Tanto as que estão sentadas dentro do ônibus que me leva para casa,
como para as outras que caminham vagarosamente
em baixo de um sol escaldante, nas calçadas.
Tenho a impressão de que estão todas mortas, inclusive eu.
Um mundo onde todos já morreram mas, ainda não perceberam.
Caminham lado a lado, com o único fim de tornarem reais as fantasias
de vida uns dos outros.
A cobradora gorda e suada parece especialmente morta.
Putrefata eu diria.
Vigiando a tudo e a todos, com seus olhinhos cerrados,
enquanto minúsculas gotículas de suor se acumulam sobre o lábio superior.
Tenta ver tudo.
Especialmente morta.
Lembro das tripas jogadas no meio da auto pista do aterro do flamengo,
algumas horas antes.
Tripas de verdade, de gente, viva, jogadas alí, dentro de um saco.
Desova provavelmente. Sendo estraçalhadas pelos carros,
pela velocidade dos carros.
Tripas que irônicamente, a primeira vista, poderiam ser folhas secas.
Mas, que exalavam um cheiro fétido que atravessava as janelas e
impregnava qualquer pensamento ou ambiente de uma maneira
que só algo muito vivo pode fazer.
-Cheiro de podre
pois, a morte
cheira a flores.
Todos nós, eu, a cobradora com seu bigode de gotículas, todos os passageiros e o meu amigo Pedro, que vi passar pela janela, nenhum de nós estava tão vivo quanto aquelas tripas e o seu fedor.
Elas não ocupavam o lugar mais adequado.
Definitivamente asfalto não combina com tripas.
Estavam alí trocadas, erradas, vivas.
Olho em volta, começo a pestanejar.
O ronco do motor e o calor de um início de tarde de outono
vão me embalando.
Luto contra. Penso no banho a tomar, na comida a fazer
e no próximo ônibus a tomar.
Desperto. Para seguir a minha vida assim
bem acordada.
Um comentário:
belo dom tem você! escreve muito bem parabéns! bjo Diego
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