Preciso interromper a sequência de devaneios e quebrar pela primeira vez a “quarta parede” que protege o que escrevo nesse espaço para fazer um desabafo.
Hoje acordei com um frio na espinha e um aperto no peito, não tinha nenhum motivo específico para me sentir assim, mas admito que casou muito bem com a sensação que tive ao levantar e ler as notícias na tela do computador.
A violência que assola a cidade do Rio de Janeiro não é nenhuma novidade. Convivo com sua presença e constante crescimento desde o dia em que nasci. Só que hoje bateu diferente. Não sei se porque dessa vez a violência chegou a porta da minha casa, por ter tido um amigo morto estupidamente ainda esse ano, ou, simplesmente, por estar mais velha e menos inconsequente. Sei que hoje as explosões, os assassinatos, os tiroteios, o desrespeito, a irresponsabilidade e o descaso me fizeram chorar.
Não tenho conhecimento político e sociológico suficiente para tentar desvendar de quem é a culpa e muito menos quais seriam tecnicamente as possibilidades reais de ação para enfrentarmos esse triste quadro. Sei, como todo carioca apaixonado pela cidade que sente o peito encher de alegria e canta mentalmente o samba do avião todas as vezes que está a poucos minutos de chegar ao Galeão, que apesar da beleza do pôr do sol no Arpoador, da delícia do café da manhã no Parque Lage e da descontração dos amigos no baixo Gávea, era claro que, mais cedo ou mais tarde, entre momentos de tempestade e calmaria, a bomba iria explodir, essa panela de pressão já está apitando há muitos anos. Faz tempo que os avisos estão pregados nas nossas caras e muito pouco foi feito, pois a violência e a miséria se escondiam no incrível e distante mundo das favelas e da baixada. Só que agora a violência “desceu o morro” e bateu na porta da classe média e dos ricos. Nossa situação atual, como já declarou nosso governador, Sérgio Cabral, é de guerra. Uma guerra que talvez pudesse ter sido evitada, talvez não. Mas que daqui pra frente dificilmente será ignorada.
E quanto a isso, por mais cruel que possa soar, não fico exatamente triste. Já era hora que toda essa sujeira explodisse para fora dos armários para que fossemos obrigados a encará-la de frente e aprender a lidar com a bagunça e com a nossa parcela de responsabilidade. É claro que a polícia carioca é uma das mais criminosas do mundo, que nossos políticos são ladrões e corruptos e que todo o sistema de governo está em acelerado processo de decadência. Mas, nada disso invalida a grande parcela de responsabilidade da sociedade civil, que ao contrário do que se ouve por aí, vai muito além do voto.
Quando falamos da nossa sociedade, da nossa cidade estamos falando das nossas vidas. Não existe bem estar pessoal sem o bem estar do grupo. Vivemos em sociedade, tudo o que fazemos em nosso único e exclusivo benefício, na maioria das vezes, prejudica o todo, logo, nos prejudica.
Enquanto estamos preocupados em consumir, em aparentar, em cuidar das nossas vidas, dos nossos apartamentos, carros e viagens pessoas estão sendo assassinadas na portas das suas casas, morrendo em filas de hospitais e crescendo sem nenhum tipo de perspectiva.
Talvez tenha chegado a hora de começarmos a repensar os nossos valores, nossos desejos. Não protegemos nossas crianças matriculando-as em escolas particulares e escondendo-as atrás das grades dos condomínios, assim estamos apenas evitando que elas tenham contato com uma realidade que já bate à porta.
O carro do ano e as roupas mais caras não nos libertam de sermos brasileiros, logo, pobres e ignorantes. Pertencemos a um todo que tem 16 milhões de analfabetos, e isso não mudará ao alfabetizarmos os nossos filhos e só.
De pouco adianta se cercar de cultura e riqueza dentro da sua própria casa se do lado de fora reina a violência e a miséria. Lembra das aulas de matemática do primário? Quando um grupo está contido no outro à ele pertence. E nossos pequenos e confortáveis oásis nadam no lamaçal da miséria.
Estamos tão preocupados com a manutenção dos nossos empregos, dos nossos hábitos, dos nossos desejos que esquecemos de pensar no sentido que tudo isso está trazendo para as nossas vidas.
Fomos cegados por uma sociedade que nos incentiva a consumir desenfreadamente, mesmo não tendo recursos para suprir esse consumo. E exatamente para o bem de quem? Tudo o que acreditamos precisar nos traz realmente felicidade? Ou foi o que nos foi dito que deveríamos querer para então alcançar a tal felicidade?
Acredito na total liberdade de ação, cada indivíduo deve empregar sua atenção e seu dinheiro naquilo que achar conveniente. Não tenho a ingenuidade de acreditar em movimentos socialistas em pleno ano de 2010. E mesmo se quisesse, a realista formação que me foi dada por uma mãe ex-presa política, que hoje é uma bem sucedida jornalista assalariada, não me permitiria. Mas, o olhar para o coletivo e o questionamento sobre os desejos de consumo propostos pelos movimentos podem muito bem serem levados em consideração. Assim com a responsabilidade individual em relação ao todo. Não podemos reclamar da violência se não tomamos nenhuma atitude concreta para combatê-la.
Já está mais do que na hora de pararmos de culpar fatores externos pela confusão que está se tornando a nossa sociedade e começarmos a encontrar dentro de nós as armas para combater aquilo que tanto desprezamos e cobramos que seja combatido por outros. O problema é de cada um de nós e só será sanado quando houver uma tomada geral de responsabilidade. De uma forma ou de outra, nós também estamos puxando esse gatilho.
23 comentários:
“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”
John Donne
"Não podemos reclamar da violência se não tomamos nenhuma atitude concreta para combatê-la."
Atitudes de que tipo, Vitória?
O que você faz pra isso?
A pobreza não é causa da violência. Mas quando aliada
à dificuldade dos governos em oferecer melhor distribuição
dos serviços públicos, torna os bairros mais pobres mais
atraentes para a criminalidade e a ilegalidade.”
Belo desabafo, apesar de eu ter sentido uma leve intenção sua de se manter distante. Esse é o tipo de mensagem que é escrita, lida e tão logo arquivada. Quem sabe, com sorte, alguém realmente se toque e comece a agir conforme sugerem suas palavras.
E não importa se somos contra ou a favor, sempre haverá discordancia. Pelos comentários, a revolta impera, ótimo texto, quisera eu poder passar exatamente o que penso de maneira tão clara e sincera. Parabéns!
Boa tarde!
Tambem me assusto vendo nos jornais, toda essa guerra que com certeza está aterrorizando vcs cariocas!
Eu entendi o seu sentimento nesse texto pq sinto a mesma coisa aqui em Belem. Eu amo a minha cidade, mas a violencia, que estar cada vez mais tomando conta de nossos jornais locais, me da uma sensação horrivel de que a qualquer momento uma tragedia poderá bater na minha porta. E enquanto pessoas vão morrendo sem parar fora da minha casa, mais eu fico me perguntando : a que ponto chegamos? Que realidade horrivel eh essa?
Mas acredito que mesmo vivendo num campo de batalha, o medo não pode nos impedir de combater essa guerra!
Carioca, paraense, baiano, somos apenas UM grupo, que está sofrendo as consequencias de uma violencia causada principalmente pela ignorancia.
Quando as pessoas passarem a enxergar mais o mundo que tem atraves das portas de suas casas, ja sera um grande passo na busca de um futuro melhor para todos nos.
E assim poderemos vingar, num amanhã talvez, as vidas que foram perdidas hoje.
FORÇA, FE, CORAGEM E CONSCIENCIA!
2:55 PM
Eu nos anos 90 na minha juventude universitaria me esforcava para entender as questoes sociais, politicas e economicas do Brasil. Acreditava que poderiamos reformar a sociedade brasileira atraves de um desenvolvimento economico sustentavel e duradouro junto com politicas sociais que diminuissem a concentracao de renda e que amenizasse a violencia, apesar da nossa heranca escravocata de coercao e controle pela violencia ser muito enraizada no cotidiano das familias pobres e excluidas.
Mas eu fui cansando de algumas das minhas ilusoes e no inicio desta decada acabei imigrando para os EUA indo viver num tranquilo "suburb" longe da violencia, do barulho, da sujeira, do stress e da falta de espaco das grandes cidades. A solucao americana se voce busca um lugar tranquilo para criar a sua familia. O que acaba gerando um pensamento conservador no cidadao de classe media americano que luta para manter o seu "american way of life".
Agora vivo num dilema, por questoes profissionais eu vou ter que abdicar da minha cidadania brasileira. Isso esta sendo duro de decidir, de que devo abrir mao.
E então, o que você pretende fazer? Interessante você nos incluir nesse desastroso quadro do RJ. E é muito bonitinho tudo isso, mas e você? O que fará pra tentar mudar alguma coisa?
Gostei que você quebrou essa 4a parede. Eu sou sempre a favor de assumir responsabilidades e de se comprometer. Em 1a pessoa, você se compromete. E afinal, é disso que trata o texto, não?
Sabe, eu fiquei pensando por um momento, um momentinho... "legal, ela se comprometeu, e nos chamou a nos comprometermos também, mas ainda tá tudo muito abstrato, o que pode ser feito, objetivamente?".
Peguei pelo menos um comentário que falou sobre isso também.
Mas eu não parei por aí, e fui além nisso que eu pensei. Eu me recusei a acreditar que eu pudesse ter me sentido tocado por algo que depois eu descobri que é vazio.
Isso é porque não é vazio, quando eu pensei melhor eu vi isso.
Sabe, a procura pela Verdade (talvez a gente ainda discorde sobre esse conceito, a última vez que a gente discutiu foi há 2 anos) pode ser muito frustrante. Realmente nós somos certamente pequenos demais para compreender muitas coisas. A questão, é que nessa busca, muitas vezes, essa Verdade se insinua. Nós temos vislumbres dela. Não sei se você concorda comigo.
Talvez a gente não saiba o que fazer de prático, quando paramos de nos vitimizar e passamos a reconhecer de fato que temos alguma responsabilidade nisso tudo. Talvez a gente seja inclusive incapaz de perceber de que forma essa responsabilidade se manifesta. Talvez nós nunca sejamos capazes de encontrar essas resposta. Mas isso são "talvezes".
O que é certo, definitivamente, é que se a nossa atitude (mental mesmo) não mudar, aí sim nada mais vai. Mesmo sem saber qual é de fato a nossa responsabilidade, sem saber como agir objetivamente de forma diferente, saber da existência dessa responsabilidade é a única chance que temos de um dia chegar a algumas respostas. Essas respostas só podem ser encontradas se estivemos procurando por elas.
O que acontece hoje com muita frequência (e como isso me irrita), é a prostração diante da maioria dessas situações, pela certeza pré-concebida que não é possível chegar a algum lugar. Com essa atitude que não é mesmo.
Nosso amigo ANÔNIMO disse "Atitudes de que tipo, Vitória? O que você faz pra isso?". Tomar consciência, trocar pensamentos (em um blog, ao telefone, em uma aula, um bar) SÃO atitudes. E mesmo quem pára na teoria não pode ser visto como alguém que não contribuiu na prática. Quantos grandes movimentos (para o bem e para o mal) a humanidade já viu que se baseavam apenas em idéias de pessoas que morreram antes de às verem em prática?
Qualquer iniciativa vale a pena. Só por ser uma iniciativa.
Acho que é isso...
"Tomar consciência, trocar pensamentos (em um blog, ao telefone, em uma aula, um bar) SÃO atitudes. E mesmo quem pára na teoria não pode ser visto como alguém que não contribuiu na prática."
Claro, concordo. Mas no texto a Vitória citou justamente a prática. Sair da zona de conforto para mim, significa justamente colocar alguma ideia em ação. Não estou querendo criticar o texto, pelo contrário. Só queria saber que tipo de atitude (não somente a iniciativa em si) toma uma pessoa que diz tudo isso que foi dito no texto.
e ela não responde!
Ok, tinha entendido que as perguntas tinham um tom inquisitório, sobre o que ela faz de concreto. Posso ter entendido mal. Imagino que podem ser só perguntas mesmo.
Mas eu insisto no que eu disse. Eu acho que as reflexões têm muito valor. Acho que se reconhecer em uma outra posição, ter sempre em mente essa questão da responsabilidade, ja é uma forma de sair da zona de conforto (se esse reconhecimento for real). Talvez mudar esse "chip" seja justamente o mais difícil, mas só a partir dessa mudança, outras poderão aparecer. A gente pode não saber agora, pensando realmente diferente, podemos agir de outra forma em determinados momentos e situações.
Eu concordo que muita gente se dá por satisfeita com uma meia-reflexão, e acaba nunca fazendo nada de fato. Mas o medo de estar entre essas pessoas, achar que não vamos chegar a nenhuma conclusão prática, não pode nos fazer parar antes sequer de iniciar essa reflexão.
Se esse texto for um fim, realmente fica essa impressão de "e aí?". Mas, como eu vejo, essa impressão fica justamente porque o texto não pode ser visto como um fim. Eu vejo o texto como algo que nos convida a pensar e discutir a partir dele... Não é isso que a gente está fazendo agora?
Claro, a não ser pela Vitória, que ainda não se manifestou mesmo...
Sim, sim, e ainda somos dois anônimos diferentes esperando resposta, rs
"Eu concordo que muita gente se dá por satisfeita com uma meia-reflexão, e acaba nunca fazendo nada de fato. Mas o medo de estar entre essas pessoas, achar que não vamos chegar a nenhuma conclusão prática, não pode nos fazer parar antes sequer de iniciar essa reflexão."
Foi exatamente o que eu quis dizer, não quis parecer rude, nem nada. É realmente isso que acontece, todos nós nos sentimos insatisfeitos com essa situação. Podemos escrever textos em nossos blogs pra demonstrar isso, porque sim, é uma maneira de demonstrar nossa indignação. Mas daí a buscar uma solução prática, bem, queria somente saber qual, porque ao meu ver, não sei nem se ela sai da utopia, quanto mais cabe à nós botá-la para funcionar.
Vitória Frate, me desculpe estar invadindo um lugar seu, que não pode ser utilizado para isso, mas, não encontrei outra maneira de te dar os Parabéins, pelo simples fato de você aparentimente ser a atriz + sincera...sou passar pra nós, verdadeiramente como a vida é! ...
sendo assim, não tem como nao virar um fan seu, e como eu estou bem folgado jah, te falando essas coisas, qual a chance de poder te falar um "oi" no msn ?
resposta no e-mail por favor!!!
felicidades
Boa Noite,
sou portuguesa, de lisboa, e posso dizer que nao convivo com esta realidade uma vez que aqui nao existe nada parecido com a realidade do rio, alias Lisboa é uma das cidades mais seguras do mundo. No entanto, tive o previlegio de ir ao rio durante tres semanas e fiquei triste, porque conheci a cidade mais bonita do mundo com enorme potencial, com gente magnifica e no entanto com tantos problemas onde todo mundo sai perdendo.
Parabéns! pelo o texto Vitória =)
Bom, primeiro e antes de tudo, obrigado pelo blog. Sou seguidor convencido já. O post que vc trás agora é genial (e aqui vai o segundo obrigado). É bacana transmitir o "lado negro" da história brasilis. O texto poderia valer para qualquer outra capital do Brasil (sou gaúcho de nacimento, e totalmente assimilável nesta sociedad do Sul). A visao aplicada é ademais mto entretenida -talvez pela forma do discurso-; impacta no leitor de maneira algo amena, mas com profundidade, a crítica social (o terceiro obrigado). Dou um voto particular altíssimo. Enquanto ñ houver uma consciência social -e com isso respostas políticas e econômicas- ñ haverá cambio. Já ñ podemos revolucionar (acho), mas quem sabe individualmente fazer chegar aos representantes, nossas necessidades e aspiraçoes para alcançar uma sociedade melhor, uma vida melhor. Força Rio, força Brasil.
Salu2.
Rodri.
Bom, primeiro e antes de tudo, obrigado pelo blog. Sou seguidor convencido já. O post que vc trás agora é genial (e aqui vai o segundo obrigado). É bacana transmitir o "lado negro" da história brasilis. O texto poderia valer para qualquer outra capital do Brasil (sou gaúcho de nacimento, e totalmente assimilável nesta sociedad do Sul). A visao aplicada é ademais mto entretenida -talvez pela forma do discurso-; impacta no leitor de maneira algo amena, mas com profundidade, a crítica social (o terceiro obrigado). Dou um voto particular altíssimo. Enquanto ñ houver uma consciência social -e com isso respostas políticas e econômicas- ñ haverá cambio. Já ñ podemos revolucionar (acho), mas quem sabe individualmente fazer chegar aos representantes, nossas necessidades e aspiraçoes para alcançar uma sociedade melhor, uma vida melhor. Força Rio, força Brasil.
Salu2.
Rodri.
É a triste realidade do nosso país.
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