segunda-feira, julho 06, 2009

Op. 27 n.2 Sonata para piano nº14

Ela anda de um lado para o outro na comprida sala iluminada por dois abajures. Sente mais que qualquer outra coisa o frio do ladrilho hidráulico cor de terra que toca a única parte nua do seu corpo. Está frio, exageradamente frio para uma cidade sempre quente e úmida como o Rio de Janeiro, e isso a deixa feliz. Diz que se sente viva frente ao improvável mas, sabe que mesmo com os novos horizontes, tudo acontece e acontecerá da mesma forma como antes. Tenta não entristecer e põe uma música aleatória, é a quinta ou nona sinfonia de Beethoven, ela nunca sabe dizer qual é qual. A música traz ares excessivamente dramáticos a cena, transformando tudo aquilo em um grande momento cômico. Ela percebe o corpo derretendo pelo sofá em uma gargalhada incontrolável e solitária, mais solitária que incontrolável. Sabe que nunca dividirá um momento como aquele com mais alguém e ri ainda mais, ri do próprio ridículo. Ninguém nunca irá saber de verdade nada daquilo, nada verdadeiramente dela. São muitas as camadas entre aquele momento e qualquer outra pessoa. O relógio já avançara algumas boas horas no novo dia, não é hora de histeria, então prepara um chá que a invade lentamente junto com a fumaça, não a sua mas, do papel e do tabaco. Ela pensa na morte e sente alívio e repulsa ao mesmo tempo. Tanto a fazer. Mas, sempre assim, nesse lugar onde dia a dia se dissolve a barreira entre a vida e os sonhos. Esse, talvez seja um dos poucos momentos de lucidez dos últimos tempos. Não faz diferença, será invariavelmente, mais um ponto isolado a ser lembrado daqui a meses quem sabe, em um outro momento como aquele. O que ela estará fazendo enquanto preenche essa lacuna? Não se sabe. Já não sabe muita coisa, está se inebriando novamente. Em poucos minutos, apesar de seus esforços, a vida, em sua aura de sonho, virá tomar conta e ela não terá mais tempo ou paciência para estar entregue a nada daquilo. Termina sabendo que se um dia conseguir escrever sobre o amor, o fará na forma de pequenos contos.

8 comentários:

Micael disse...

gostei... pra mim, parece literatura de verdade.

agora, "Diz que se sente viva frente ao improvável mas, sabe que mesmo com os novos horizontes, tudo acontece e acontecerá da mesma forma como antes.", discordo profundamente... alias, concordo, se ela ja estiver conformada com isso...

mas, quem sou eu tb pra saber alguma coisa...

e a nona sinfonia, tb chama ode a alegria. elas sao bem diferentes, uma eh alegre a outra eh dramatica, provavelmente ela colocou a 5a.

Vitória Frate disse...

aha! É uma pegadinha, na verdade é a do título. A sonata ao luar! Não me pergunte porque.
Beijo.

Unknown disse...

Belo post... belo blog... bela...

Frio... com pés descalços ele aumenta e muito...

Um conflito interior... todos os caminhos levam a um único fim.

Moonlight... quase uma fantasia.

Paulo Arthur disse...

Por que será que a "fantasia" do amor em muitos momentos se contrasta com a dureza da realidade???
O amor verdadeiro e puro era pra ser tão leve, e nós, muitas vezes, deixamos a coisa tomar proporções pesadas e cruéis... e nesse momento o amor não é mais amor...

Adorei o seu texto... parabéns

Anônimo disse...

A música nos melancoliza às vezes.

"Termina sabendo que se um dia conseguir escrever sobre o amor, o fará na forma de pequenos contos."

Acho que o amor aí seria menos específico, como ele é. Tentam especificá-lo demais, traduzi-lo demais, e acabam escrevendo sobre um amor tão particular, tão pessoal, e ainda dizem que é o amor, o de todo mundo, mas na verdade, não existe amor de todo mundo, cada um tem o seu.

Adorei o post.
Bjo

Anônimo disse...

Ai que pena que é da Maria Bonita Extra... meu número, 39, dificilmente acho em lojas só de sapatos... agora em lojas mistas (hahaha) é quase impossível. Mas vou dar uma passadinha na loja da Oscar Freire, obrigada!

Anônimo disse...

Agora que eu vi no seu blog, vc é a propria pessoa que eu falei. Obrigadaaaaa vc é linda!

Anônimo disse...

Outra coisa, combinar acessórios não é um erro e que a tendência hoje em dia é não combiná-los.