quarta-feira, novembro 10, 2010

Devaneios sobre neblina ou O dia que não acordei.

2.

Quando Manuela saiu da cama Felipe já estava de banho tomado, o cheiro de sabonete misturado ao do perfume do namorado causavam uma sensação agradável apesar de exagerada. “Bom dia, princesa. Preciso sair rápido para ver um apartamento que irá a leilão na quarta feira, pode ser um bom investimento, você me espera para o almoço?”- Foi o que ele disse enquanto abotoava a camisa de manga comprida de algodão branco que fazia com que parecesse ainda mais altivo e cheio de frescor. Ela sorriu com suavidade e disse que sim enquanto se acostumava com a claridade. Você pode aproveitar para levar o Gondry para passear, ou se preferir, vamos juntos quando eu voltar. Ele disse isso lhe dando um beijo carinhoso e saindo pela porta. Ela acenou que sim e mais uma vez sorriu.


Michel Gondry, oito meses, Bulldog francês de olhos expressivos e esbugalhados, todo branco com uma única mancha perfeitamente redonda e preta perto da cauda, gostava de dormir abraçado a uma galinha de borracha e de roer os pés da mesa de jantar.


Era tudo dela. O apartamento cuidadosamente decorado, o homem bonito e amável, o simpático cachorro... Como poderia então se sentir tão à deriva, tão sozinha e pertencente a coisa ou lugar nenhum? Para que algo te pertença não é necessário que você pertença a esse algo também? Não queria fazer julgamentos sobre si. Sabia que aos olhos dos outros e, talvez, até aos seus próprios, pareceria uma menina mimada, sentada no alto do seu castelo encantado sem conseguir achar graça em nenhum dos milhares de presentes que ganhava todos os dias. Talvez fosse mesmo apenas uma pirraça, uma rebeldia sem causa para colorir o mundo enfadonho que a cercava, que passaria assim que encontrasse uma novidade que enchesse seus olhos, mas a verdade, é que de qualquer maneira, essa novidade não aparecia e aquela vontade de nada convertera-se em pequenas explosões que agora a devoravam por dentro deixando nenhuma escapatória que não o movimento.


Em dois tempos tirou a camiseta listrada azul e branca, adorava essa combinação, e a calcinha de renda pérola e enfiou-se no chuveiro frio. Detestava banho frio, mas teve a sensação de que um pouco de desconforto seria bom para acordar os sentidos e obedeceu. A pressão da água gelada sobre as costas e cabeça faziam com que Manuela se sentisse em uma cachoeira, mas precisamente na cachoeira dos primatas, no horto florestal, perto da casa onde passara sua infância. Conseguia sentir o perfume tenro da terra molhada, da água limpa e de jaca partida que eram tão característicos. E a excitação, o medo alegre dos sagüis que tinham como brincadeira favorita atirar sementes e coco nas pessoas que invadiam sua mata. Se perdeu em seus pensamentos até sentir arder a pele já avermelhada pela baixa temperatura da água. Desistiu de xampus e condicionadores. Se enrolou na tolha branca e felpuda e sentou na cama ainda molhada, com pingos escorrendo dos agora ainda mais longos cabelos castanhos enquanto tentava controlar as pernas, braços e queixo que não paravam de tremer. Por uns instantes perdera-se na infância, nos sentimentos daquela que é pelo que foi e voltando a si, abandonou-se sob o edredom macio ainda embrulhada na fria toalha molhada.


...Continua.



4 comentários:

Bruno Costa disse...

Talvez ela viva uma vida que a ensinaram, não a que ela quer. Talvez seja apenas medo. Ou, quem sabe, seja tudo junto.

Anônimo disse...

zzzzzzzzz........

Anônimo disse...

Você específica tudo tão bem que dá pra gente construir uma imagem quase perfeita do que você tá querendo contar. Adorei, mas manda as continuações com mais rapidez pra gente não perder o fio da meada!

Anônimo disse...

Ain, um detalhe, por que você disse no twitter que o programa que vc faz no multishow é muito idiota? Achei curioso vc confessar isso ...